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08 maio 2011

Epístola 79 - Carta ao Gérson, um amigo para sempre.


Porto Alegre, abril de 2011

Epístola 79 (LXXIX) Aos Geeanos, Pirellianos e outros Amigos

“(...) meu irmão, por tua causa / Meu coração me comprime!/ Tu me eras tão querido!/ Tua amizade me era mais preciosa / Que o amor das mulheres.” II Sam 1, 26 (1)

Meu Amigo Gerson, um verso de um poema barroco dizia: (...) somos como pássaros de uma só asa; somente abraçados poderemos voar... E voamos juntos, 52 anos! Das planícies aos altiplanos conquistando mundos, e gentes. E o quanto de melhor pudemos deixar por onde passamos! Não é gabolice, tu bem o sabes. Se mais não foi feito é porque nossas limitações o impediram. Dentro do possível tivemos sucessos. Não aqueles que o hedonismo, o egoísmo, a ganância determinam. Não. Mas o descrito por A. J. Stanley(2), cuja cópia me deste logo que nos conhecemos. E como nos identificamos com o que ele escreveu! Para os do mundo moderno, para os que seguem a novíssima concepção do sucesso fomos dois idiotas. Parece-me que falamos sobre isso; mas nunca nos desviamos do caminho.
Voltando ao poema barroco, ele tem razão: precisamos uns dos outros para poder voar. Nossas limitações assim o exigem. Mas, no teu caso, foste um “fingidor”. Tinhas uma asa que todos enxergavam e uma outra, invisível, que muitas vezes – mormente no tocante a mim – sustentava o outro. Sabes como descobri isso? Quando alguém tinha dificuldade para voar, tu não te oferecias para ajudar, mas, sim, para pedir ajuda. Dessa forma tu fazias com que o necessitado esquecesse sua dificuldade, dele, muita vez, psicológica, e “ajudasse” no “teu” voo. Assim, dentro em ti, te sentias duplamente feliz: ajudavas sem que o ajudado se sentisse inferiorizado, por depender de outrem. E foste assim no trabalho, e foste assim nos estudos, e foste assim até em festas.
Quando te levaram para a sala onde celebrariam a cerimônia religiosa, a música de réquiem foi o Brasileirinho, com Valdir Azevedo no cavaquinho. Bem ao teu estilo. Como cantou o poeta: (...) não quero choro, nem coroa com espinhos/ só quero choro de flauta, violão e cavaquinho.(3) Instrumentos que dominavas com carinho. Pediram-me que dissesse algumas palavras naquele momento, uma vez que, excetuados dois parentes, a irmã e um primo, eu era o que mais contigo convivi.  E, ao pé do teu leito derradeiro (incredível), falei pouco. Iniciei repetindo Bob Marley: Não viva para que a sua presença seja notada, mas para que sua falta seja sentida. E continuei, afirmando que nunca fizeste alguma coisa para seres notado; mas, foi impossível o não ser. Quanto a ser sentida tua falta, nada falei. Para não chorar, calei-me. Mudei de assunto e discorri sobre nossa amizade. E encerrei pedindo que estejam certos meus amigos espiritualistas que dizem que do outro lado todos nós nos encontraremos. Oxalá! Exclamei. Como será prazeroso termos toda a eternidade para conversarmos sobre o do que mais gostamos: livros, mulheres e cerveja e otras cositas más. Por certo, desse outro lado onde já estás encontraremos nossos autores preferidos: tu, teu Herculano, eu, meu Ruy. Por falar nisso, nem chegaste a ver os livros que te mandei. Foi um tanto difícil encontrá-los, caro Amigo; parece que todos andam procurando os clássicos. Bom sinal.
Partiste quando chegava o outono. Que não gostavas do frio eu sempre soube. Perguntei-te certa vez por que moravas no sul, no Cassino? Respondeste: primeiro, porque gosto do mar, segundo porque tenho um excelente cobertor de orelha.
Partes numa estação que considero linda, romântica: um bom momento. Pensava nisso enquanto olhava através das janelas da Capela observando as paineiras que estão todas floridas. Sempre gostei delas. Fazem parte da minha infância. Sabias que elas mudam de matiz à medida que envelhecem? E se parecem com uma orquídea? Doravante elas estarão associadas a nós. Decorarão as páginas da história da nossa bela amizade. As flores serão substituídas pelas painas. Na primavera elas se abrem e delas sementes envoltas em uma espécie de algodão viajarão pelo espaço, conduzidas pelo vento primaveril. E fecundarão outras terras. E tudo recomeçará. Assim contigo: foste flor, foste fruto, agora como nova semente renasces no etéreo campo.
Caríssimo Amigo, nunca foste de frequentar igrejas, mas eras espiritualizado, tanto que sempre invocavas nosso Pai Maior, como costumavas chamar o Criador.
Todavia Combateste o bom combate, terminaste tua tarefa, guardaste a fé. Segues para receber a Coroa da Justiça, que o Justo Juiz te dará.(4)  

Bem, meu querido Amigo, agora podemos dizer que (,,,) entre minha casa e a tua há um caminho de estrelas.(5) Um beijo no coração e até qualquer dia.

Baldi
 
(1) Última estrofe do cântico fúnebre de Davi, ao saber da morte do seu grande amigo Jônatas.
Quem quiser lê-lo na íntegra: 2º Livro de Samuel, capítulo 1º, versículos 19 a 27
(3) Fita Amarela – Noel Rosa
(4) II Epístola de Paulo a Timóteo Cap. 4, vers. 7 e 8
(5) Mário Quintana
(2) A Nova Concepção do Sucesso – A.J. Stanley 

“Triunfou quem viveu intensamente, riu muito e muito amou; quem mereceu o respeito dos homens e o amor das criancinhas; quem encheu o nicho e realizou a sua tarefa; quem deixou o mundo melhor do que o encontrou seja por haver criado um novo tipo mais perfeito de papoula, escrito um poema ou haver salvo uma alma; quem jamais deixou de apreciar a beleza e de interpretá-la; quem nos seus semelhantes procurou sempre as melhores qualidades e sempre lhes deu o melhor de si mesmo; vitorioso foi aquele cuja vida é uma inspiração e cuja memória é uma bênção.”


MEMÓRIAS DA QUERÊNCIA.

Dia 20 de março viajou para a eternidade meu querido Amigo Gerson Costa. Vai fazer muita falta. Mas não lamento; bem pior seria não o tivesse conhecido e com ele convivido mais de meio século.  
Foi cremado e suas cinzas serão lançadas no oceano de que ele tanto gostava. Um belo e misterioso ambiente para acolher tão precioso tesouro.



Um comentário:

  1. que lindo!!! que bela homenagem ao amigo que partiu...muito emocionante....gostei desta parte: não vivas para que sua presença seja notada mas para que sua ausencia seja sentida...taí, encontrei um grande poeta! parabéns!!! adorei!!!

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